20/01/2015

Gesto para um poema

Afinal, ficamos assim
Não dissemos palavra
E não coube um nome
Embora tuas unhas vermelhas 
                                    [desposassem minha pele
                                    [e a noite aparecesse 
(com ela tua partida).

Permanecemos, gente
Com nossas incertezas
Haveria título para o desconcerto das horas?

Éramos contratempo
E também em teus versos
 - Aqueles que não cantavas, sonhavas
Nos dissipamos no espaço de memórias:

Sobre a escrivaninha, no armário confuso

No teu afago de amanhã.

Quando vinhas
(Tua boca repleta de outras noites)
Trazias nas mãos tua oferta espontânea:
O gesto que adorna e embala
Estrelas que contei.




18/01/2015

Sujeito

eu, sujeito,
parte integrante da oração,
conjugo a vida,
dou graças ao verbo
que exala da língua
e cria o
amor, substantivo,
no ato de ser o mundo

11/01/2015

Passeio

O trinado das maracanãs na morna tarde
Nuvens tontas esgarçando o céu
Carros brancocinzapretos e as conjuras da pressa
Oitizeiros embaúbas
Poeira & tapume; concreto & lama:

- tudo habita na tua ausência.

Quando vens, no entanto,
Com teu cheiro de manjericão
E tuas mãos apascentando meus cabelos

Quando estás
(quieta, repousam em ti meus sonhos)
E te permites o amor de véspera

O que faz moradia são palavras
Para teu remanso breve
Como um passeio em tua carne

10/01/2015

Crônica

pariu
mas não cuidou
quem criava era
a Demildes da 22
quando pequeno
mal dava trabalho
criado à leite quente
e comida boa
já grandinho
aí esse desandou!
ia pra todo canto
e não tinha cristo
pra fazer parar
em casa
era só pra dormir
- e dormia, até demais, olha...
cresceu e vivia atrás de umas
não sossegava o facho
brigava e tudo, pense?
até que deu uma sumida
e Demildes veio chorando
contar que tinha sido envenenado
pelo Seu Márcio do 35

bicho bom era aquele,
bicho praga é o homem.

07/01/2015

Cotidiano

ecoa até mim
vindo através do vento
o chilrear de pássaros
distintos no calor do dia
e atarantadas buzinas
sirenes

- estou só e resisto, de mim ninguém me tira

trago na memória teu corpo
saveiro no mar
salgado como a cocaína
e as nossas ressacas
scotch palavras delírio

- tantos nós na gente tanto em nós

mas isso não importa:
estou sozinho no quarto
estou sozinho na América 
etc.
e você já foi tarde
me deixando um beijo
com gosto esquecido de tempo

-tudo dorme, à exceção da Ana C. que
me espia da estante.

06/01/2015

Véspera

limpo a casa, lavo a louça, acarinho o gato.
preparo a janta, faço um café, assovio.
sento-me no sofá, acendo um cigarro, fumo.
tomo uma cerveja, arranho o violão, canto.

reflito sobre
as variáveis implicações
do destino:
há sol, há vida, há gente,
outdoors iluminados, buzinas,
prédios altíssimos,
casais que se amam,
crianças chorando
e cães que latem
e mães que sofrem a falta do filho.

ando só
desvio os olhos ao passar pelas pessoas
finjo falar ao telefone quando há conhecidos perto de mim
não ando de bicicleta
quase morri afogado
bebo em demasia

à noite, quando me deito,
reviro-me na cama e raramente durmo.

mas há em mim o desejo de viver
e com ele guardado na carteira
vou caminhando ao desconhecido
rumor das horas que se anunciam
no horizonte das nossas paixões.

05/01/2015

Confins

Estamos sempre indo
Para onde quer que seja
Como vão os bois no pasto
- A infância, memória que não houve:
muge o dia lento, tempo galvanizado
erigido o céu e
                           [um bando de nuvens que passam ligeiras;
ao longe o voo das rapinas acomodando a vida -
Como vão os cabos de energia
Sempre para algum lugar distante
Vamos nós, vão-se os outros
Vai uma ideia, atravessando nossos confins
Migratória em plano tácito
(O que permanece, deriva:
Ficam as rochas encostas velhas árvores)
- Tudo o que há, e que podemos ser
No mundo de circunstância breve
E espírito torto.

04/01/2015

Poema Inconcluso

Da janela em que me encontro
-Gradeada
Atravessado por uma luz cava
Vejo o que o espaço me permite ver:
Dorme, nas varandas dos altos prédios
e também nas torres de comunicação
(em aviões noturnos que se despedem talvez)
O teu nome que não cabe em minha boca.

Ao redor
(É noite, cambaleia a luz
os sonhos e estrelas cambaleiam)
Tenho um pressentimento de véspera
Percebo o mundo com seus estratagemas
Sorrio ao acaso que me abandona
E encerro as pálpebras de ferro e vidro
Estou só
Mas há em mim
o silêncio do que vive.

Agora vim pra cá.

Migrei de lá: