domingo

Ausência

na tua ausência
criei o mundo
das sombras que eram tuas
fiz luz - à te procurar
rasguei estradas
e nas fissuras encobertas pelo solo
tu não habitavas
deixei crescer os matos
fundei raízes para que permanecesses
mas partias
levando contigo o espaço das horas
inventei chão
para checar tuas pegadas
elaborei água
para te banhares quando cansada
mas tu não deste as caras
e entediado inventei as gentes
procurava rostos que se parecessem com o seu
que me lembrassem teu sorriso desconhecido
um olhar não descoberto
em vão:
na tua falta
esqueci o mundo

quarta-feira

Depois

depois, o cigarro.

cinzas sobre nosso segredo,
você disposta sobre o lençol
[escuro
como uma presa que eu acabei
de devorar.

depois, o sono.

dormias nua sobre teu cansaço
vencida pela mecânica do sexo:
tantas maneiras e o vício e a fumaça.

depois, partida.

mas antes que te aprumasses
(era sempre o mesmo gesto:
te levantavas e, preguiçosa,
repetias as desculpas de sempre.
Já não te pedia para partir, apenas
para que voltasses com tua forma
e teu colo)
te segurava pelo braço
-a rotina sugeria o esquerdo-
e te puxava para a cama
ainda descoberta
e mais uma vez
num exaspero de solidão
nos consumíamos
o corpo o cheiro o suor o gosto o toque
o sussurro o desejo o momento o líquido

e depois

você saindo por aquela porta
esquecendo outra quinquilharia
só pra dizer que "talvez vem buscar"

depois.