28/10/2018

Rosa dos tempos

L’amour c’est l’homme inachevé.
                                (Paul Éluard)

são belos os olhos que vêem
e olho:
o amor semeia nas gretas e engrenagens
um visco brilhante anunciando
o beijo do tempo.

são belas as mãos que laboram
e seguro:
o amor brota nas pedras e préstimos
um gesto amigo saudando
o abraço da terra.

são belas as bocas que falam
e digo:
o amor - botão disforme e firme
tem cor de gente e sabe
o toque que o gesta

são belas as ventas que aspiram
e sinto:
o amor floresce no outro e na hora
cheira à mudança e resiste
o gosto da espera.

05/10/2018

Cuiabá Hora Cero

o ganido das sirenes
a lona escura cobrindo a cidade
salpicada de luzes artificiais da energisa imitando estrelas
intangíveis como a paz
o ruído morno dos eletrodomésticos
que chiam rompendo o silêncio
imposto pelas circunstâncias
e os despojos que deixamos
e se arrastam pelos anos:
o amor que não houve,
os amigos que partiram,
o medo do futuro que nos espreita
ali da esquina
e nos convence que não há futuro

sobrevivo às intempéries
às dinastias da tristeza
que sempre me rondam
e firme não me entrego
embora a ferida coce e a cicatriz
de todas as batalhas
as perdidas e as ganhas
já desfigurem esse resto de corpo
essa massa no espaço
significado & significante
enunciado perdido nesse ambiente de 30m2

e um poema já não cabe em lugar algum além da boca do poeta

mas arrancaram-me a língua dos meus antepassados

sozinho, as mãos sujas,
reescrevo a história que é ser gente.