Nunca espero a visita
da face de meu pai
mas ela surge e
atravessa minha memória
com aqueles olhos de pai
e a voz de senhor-pai.
Deliberadamente, às vezes,
esqueço dos cabelos brancos de meu pai
as rugas de pai
mãos firmes de grossas veias de pai
camisa-e-calça como fora
acostumado.
Com alguma frequência
me pego pensando
nas palavras de meu pai
e em tudo o que ele não disse como pai
e as coisas de pai que ele fez:
a educação às crianças.
Sempre pai,
com as histórias de pai
e o jeito, que ficou em mim
- o de sempre pedir bença-pai -
e carrego nas costas
não como fardo
mas como capa.
De meu pai, o que não recordo, construo
e o vejo como filho:
deslumbro e vivo a poesia me dada.
*
Dou um último adeus - silencioso - ao meu pai,
Barão das Quinquilharias.
Eu o procuro nas pequenas coisas deixadas:
parafusos, grampos, fios, folhas de papel intactas sobre
[sua escrivaninha...
Por que não levou, meu pai, todas as coisas com o senhor?
Foi desleixo ou foi cuidado teu ato de ir embora, de supetão,
deixando tuas ninharias ao alcance dos nossos olhos?
Não encontro meu pai no sofá de sempre:
há um espaço vazio entre as coisas e as palavras.
Quisera eu ser menino de novo, meu pai,
e estar deitado em sua cama, olhos entreabertos
[fingindo dormir,
te ouvindo me ninar com aquela música
que nunca mais esqueci:
mãezinha do céu, eu não sei rezar...
*
E como são as coisas:
em cada roupa minha há uma costura de meu pai.
No futebol que não joguei, nas escolhas que não fiz
Toda a lacuna que houve - meu pai ajudou-me a completá-la.
E agora, nessa procissão, caminho sozinho: pai de mim mesmo.
E que palavra pequena - pai - para caber toda a história de homem.
Sangue do seu sangue, meus olhos embotados
Parecidos com os seus:
um negócio assim, meu pai, que era teu e eu emprestei
[sem data de devolução.
Me cobre um dia.
Agora, eu cubro tua partida.