28/04/2015

Poema de chegada

quando chegares
carregando o amor
nas mãos em conchas
e depositares em minha boca
um beijo em segredo
e quando trouxeres teus cabelos
lavados ainda de véspera
e teu corpo - incenso e mirra
(despojos de um sonho)
peço que não te assustes com meu jeito de poeta:
o cigarro entre os dentes
hálito fresco de noites de poesia
o flanco aberto esperando o punhal

quando vieres
encontrarás meu barco
à deriva repousando
a calma das velas
a brisa do tempo
areia dispersa ao sabor do vento
se vasculhares bem
verás que tenho mil poemas a tua espera
mil línguas cantando teu nome
e te recebo
com o peito descalço e afeto no bolso

27/04/2015

A metafísica das coisas imperceptíveis

Haverá sempre mato nos jardins.
A terra flamula sua iconoclastia e
O rebento do solo prenhe de existência.

Haverá sempre o sonho, um aquífero
Repousando na desordem da cabeça,
Esperando para emergir.

Houve sempre o farto gole de vida

(na infância
quando manejava verdes soldados de plástico
quando estrategicamente os colocava no barro
minha cabeça casamata onde se escondiam planos
secretos de partida e solidão)

Por entre os arbustos
(que insistimos em arrancar
pois são corpos estrangeiros estragando nossa paisagem
tão bem organizada)
Nasce a noite o triste pulsar de estrelas
e também às vezes o amor que

Haverá sempre de romper a pele
E gritar sozinho, anunciando a senha
Dos que esperam e pelejam.

Havia em mim o beijo do destino.

(a descoberta da paixão inevitável
como as nuvens que pastam no céu
as glórias e incertezas teus olhos e
aquilo que não dissemos)

Haverá sempre o sopro
Embalando a rede das mudanças
E a gesta das pequenas coisas cotidianas

Há o gosto, a cambraia, o almíscar das tardes
Que não percebes; sentes.

20/04/2015

Antiquário

como sempre
eu chegando em casa
- você pelos cantos
antiquada
drama-queen
desmoronando nossas bocas
até que vem o sexo
(a língua que entendemos)
e aí
outra vez
vem a paz
a gente se suja de presença
gasta a saliva
coteja os olhos
e no espaldar da circunstância
repousamos
pra quê?

responde não

deixa nessa nossa
parede mal-pintada
o gosto de ser arte.

18/04/2015

Carta-poema

à memória de  Eduardo Galeano

Podia ver, da janela do apartamento, a cidade amanhecida:
eram as mesmas árvores outdoors prédios fachadas
antenas e cabos da energisa.

Na estante, poeira e livros.
Entre tantas incertezas, uns seus relatos que lia com tanto apreço.
Em mim nada mudou: compro pão logo cedo
trabalho dobrado e, à noite, vez em quando tomo um
whisky.


Quando você partiu, numa segunda-feira um pouco estranha
nessa cidade que você não conhecia
imaginei - tonto de mim!
que havia morrido também um pouco da esperança.

Você não viu, Galeano,
o mundo embarazado  parir a justiça.
(São tempos difíceis esses em que vivemos 
e não há vela acesa que não apague com os ventos 
da discórdia.)

Passarei, talvez, sem ter visto também:

Não há lógica no acaso de estarmos indo rumo ao 
não-sei-onde.

Só que seguimos, vamos indo, uns ficam pelo caminho,
outros vão até onde podem
e continuamos
vivos enquanto podemos
gritando até quando nos calam.



14/04/2015

Poema amanhado

uma tarde de sol
disco do silva
filme de drama:
o amor acontece onde se deixa.

nas migalhas espalhadas pela mesa
e entre os pombos nos alpendres
na camisa cansada em fim de expediente
e no batom já desbotado pelas circunstâncias:
há amor quando se pode amar.

ligações não atendidas
notícias tristes de jornal
respostas entrecortadas
suco de abacaxi:
pode o amor resistir quando quer.

nos copos de cerveja
e no cigarro compartilhado
talvez no espaldar em que
as costas descansam
no beijo certamente
(e no riso de canto de boca?):
o amor se desdobra em condições:

senta ereto, pernas cruzadas,
uns olhinhos gentis
o amor espera
com seus cacarecos
lustrados de vontade
o amor chega


10/04/2015

Elegia

para o teu corpo ausência
(-plaga distante,
minha canaã)
levo meu pensamento
e no emaranhado
dos teus cabelos
(-onde há o enleio dos dedos,
o passeio nas horas,
doçura no tempo?)
encontro o desejo

de longe
(- beijo anunciado aos ventos)
do lugar em que te imagino
sinto tua carne, a vibração
e tua face com gosto de lonjura

(-pudesse eu romper a terra!
atravessá-la, como fazem estradas
e, como um rio que se desloca sinuoso
farejar teus passos a ponto de vê-la,
mulher, esperando meu carinho!)

penso, enfim:
haverá o dia, claro como manhã de outono,
em que terei teu peito próximo
pulsando o quente sangue da paixão.

04/04/2015

Poema amargurado

Às vezes sou triste
Como o acorde Em7
E ando por aí
Tropeçando em mim mesmo
Atravessando vias recapeadas
Até que chega a noite
E com ela suas tramas
Que me envolvem e me furtam
De um claro desejo novo
Das coisas que há em mim

Às vezes sou triste
E assovio Rômulo Fróes
Desvio de poças d'água
E também desses pensamentos
Que querem me atropelar
Como se atropela um plano
Um toque um verso esquecido
Me equilibro buscando
Os pés no chão
As mãos nos bolsos
Caminhando entre vielas
De mim mesmo

Eu sou meu país
Meu rei e carrasco
E legislo:

Faço as leis

e sinto apenas.





03/04/2015

Roma Minha

Você, minha Roma,
por onde passeio
tuas praças, colunas,
jônicos seios,
teu panteão
que abriga tua
deidade, desejo e potência,
e essa tua cabeça,
teu coliseu,
em que degladiam os sentimentos,
caminho, déspota e amante,
no louco império
do teu corpo
e encontro, madona,
teus arquedutos, tuas vias
e me perco:

Sou o que sou:

Um Nero a te incendiar.