24/04/2019

Milonga

Todas as manhãs
Enquanto saio para trabalhar
Visto um chapéu
- por estilo e proteção,
já que é enorme o calor em Cuiabá -
Que, em seu forro,
Traz uma canção e um nome de mulher.

A canção eu a assovio
Enquanto observo a paisagem
Da casa ao destino.
A mulher, eu a procuro
No cotidiano que me embala
Entre dias e tardes.

Quando, já à noitinha
Cansado chego em casa,
- Deito o chapéu à revelia,
sem, no entanto,
refletir sobre esse gesto -
É que encontro: mulher e canção,
Espalhados em minha pele.

E já não há o que fazer:
Meu coração dança um tango
Esperando a hora
De ouvi-las, canção e mulher,
Sobre coisas que não sabemos explicar.

19/04/2019

Cinema

sou o personagem mais triste
de todos os filmes tristes
que falam de amor.

mas quando você chega
com seu cheiro de cassis
saio do meu papel
esqueço o roteiro
e já não sei
como te dizer:

um mise-en-scène sentimental. 

18/04/2019

visto a melhor roupa:
aquela que me cabe
para a ocasião
de nunca encontrar-te.

no guarda-roupa bagunçado
guardo camisas limpas
com cheiro de amaciante
e da tua ausência.

meu paletó não enlaça teu vestido:
trama que se perdeu.

16/04/2019

Descoberta

descubro tuas palavras escritas à mão
como descubro teus olhos me fitando
tua voz rouca que vira e mexe me diz
como se simples fosse o ato de falar
sobre tuas ninharias tua vida os dias

descubro teu véu tua forma o cotidiano
revelo teu sorriso a foto que vi e guardei
e em mim escondido um sentimento bom
nele me apoio minha vida uns escombros
neles o que brota uma flor indefinida

descubro o que há de ti em mim
e vôo buscando tuas asas
tua célere despedida
o gosto do que sonhei pra nós
Entre teu nome e o meu:
a saudade fazendo sala.

13/04/2019

            *

lá fora
fogos de artifício
- comemoração
silêncio cá:
não me arrebento não.
           
            *

um vaga-lume solitário
percorre sua via crucis
sem saber que sua luz
desafia a cidade
           
            *

se for vir, nem venha
que eu te boto no teu lugar!
(aqui, bem dentro de mim)
se vier, venha logo
logos: perdi o raciocínio.

            *

se de mim sobrar algo
junte os pedaços
adicione algum tempero
e me embale pra viagem.

            *

falando nisso
não vou nem falar
em boca fechada
só cabe seu nome.


06/04/2019

Cuiabá, 300

buracos nas vias
os bares e suas luzes
o sol secando roupas
molhando de suor os rostos
trabalhadores indo e vindo
maracanãs e sabiás
mangueiras e oitis.

a conta da energisa
o centro e a periferia
o futebol e os grafites
artistas intelectuais
vendedores ambulantes
pedintes estudantes
professores polícias.

os ricos em mansões envidraçadas
os pobres em bairros esparramados
rios e córregos torando a cidade:
meu poema.

(passarei: como passaram dom aquino, dicke, manoel de barros, sodré.
meu verso fica: não tem pra onde ir.
daqui a cem anos, outros poetas cantarão a cidade:
se ela resistir.)