domingo
saudade
quinta-feira
Eurídice
I.
Pela manhã, é teu cheiro que me desperta
como a primeira claridade do dia
como um sonho que eu já pressentia.
II.
Ficamos os dois enredados
trama complexa sobre o linho do lençol
natural que nos misturássemos:
cada pedaço de mim inda carrega
a matéria do que é feito nós
III.
Cuido teu sono como se pastoreasse
um rebanho de afetos
pela noite, o mistério do que somos
se desvela em tua respiração
no que não dizes, mas sei.
IV.
É preciso que nossos olhos se encontrem
no apagar do último dia
assim como é preciso
que um beijo de despedida
seja o devorador de um mundo
seja o criador de outro
V.
Houve a distância de centenas de quilômetros
algumas confissões tantas músicas uns poemas
e enfim nosso nome circunscrito na voz do outro
mãos cravejadas de possibilidades
bocas murmurando amor
VI.
Basta que eu feche meus olhos
para que tua voz reverbere por todos os meus pensamentos
basta que eu abra meus olhos
para que te sinta na presença das coisas todas que ainda não descobrimos
sábado
Nocturno n.9
É noite e enquanto espero seu regresso
Escrevo um poema pago contas alimento o gato rego plantas
Lembro de um verso de Borges
No quintal conto algumas estrelas no céu
Escuto nossas playlists leio notícias rabisco à mão um bloco de anotações procuro no dicionário o significado de uma palavra que jamais usarei
Canto no tom aquele frevo axé
O relógio revela que é madrugada
Assisto vídeos nas redes sociais encho as forminhas de gelo verifico o aplicativo do banco deito sozinho
Fecho os olhos e finjo que você existe aqui