quinta-feira

Eurídice

 I. 

Pela manhã, é teu cheiro que me desperta 

como a primeira claridade do dia

como um sonho que eu já pressentia.


II.

Ficamos os dois enredados

trama complexa sobre o linho do lençol

natural que nos misturássemos: 

cada pedaço de mim inda carrega

a matéria do que é feito nós


III.

Cuido teu sono como se pastoreasse 

um rebanho de afetos 

pela noite, o mistério do que somos

se desvela em tua respiração

no que não dizes, mas sei.


IV. 

É preciso que nossos olhos se encontrem

no apagar do último dia

assim como é preciso

que um beijo de despedida

seja o devorador de um mundo

seja o criador de outro


V. 

Houve a distância de centenas de quilômetros

algumas confissões tantas músicas uns poemas 

e enfim nosso nome circunscrito na voz do outro

mãos cravejadas de possibilidades

bocas murmurando amor


VI. 

Basta que eu feche meus olhos

para que tua voz reverbere por todos os meus pensamentos

basta que eu abra meus olhos

para que te sinta na presença das coisas todas que ainda não descobrimos