06/05/2025

Infinitivo

Al cabo, son poquíssimas las cosas
que de verdad importan en la vida:
poder querer a alguien, que nos quieran
y no morri después que nuestros hijos.

(Amalia Bautista)


Estar sempre disposto a amar

Mas nunca a sofrer de amor

Correr e esbaforir-se 

Ouvir você dizer

Olha como meu coração tá batendo

Estar sempre disposto a se movimentar

Mas nunca a travar o amor

Ouvir sua voz na rádio

Esperar notícias dum novo mundo

Contar que é de você que sinto saudade

Estar sempre disposto a sonhar

Mas nunca a esquecer o amor

Cuidar do que em nós é palavra

Lavrar o sentimento em busca de sol

Buscar nos olhos um reflexo de afeto

Estar sempre disposto a bailar

Mas nunca a coreografar o amor

Guardar um beijo de véspera

Sussurrar confissões latentes

Deixar o afeto se construir:

Estar sempre disposto a amparar o amor

Mas nunca deixar o amor na mão

14/04/2025

Labor

A poesia não sabe o quanto te devemos.

(Rui Costa)


trabalhava e já ia parte da manhã

no expediente na repartição 

entre um café e uma demanda

um relatório e mais um gole 

quando li pela primeira vez

num perfil de rede social 

versos de rui costa


anos atrás

precisamente vinte 

jamais eu saberia de rui costa

poeta em Porto 

que deixou o mundo à deriva cedo demais


sei de rui costa por causa da internet e do

bar do acaso - a pausa no expediente a exasperação do serviço

técnico burocrata o modo de vida produtivista ao qual somos submetidos

arrochados até sermos exauridos - que me deixou em vias de escrever um poema

(que não era esse e nem hoje e que ficou guardado na memória enquanto produzo planos de ação preencho planilhas no excel alimento sistema)


daqui do meu lugar, no interior dum brasil que dá notícias de que nunca chegará a lugar algum

carrego os versos de rui costa num smartphone 

e rememoro a poesia que me livra da vida de todo dia



 


16/02/2025

Passagem no tempo IX

(...)e bandos de nuvens que passam ligeiras
pra onde elas vão? 
ah, eu não sei, não sei

(Dindi - Tom Jobim)


as horas contidas no relógio 

- sistematizado dividido elaborado 

doze mais doze 

& depois sete 

& depois quatro ou cinco 

depois mais doze 

e sempre se repetindo nesse fluxo contínuo 

que surgiu bem antes de eu nascer 

e perdurará após minha morte 

trabalho cinco ou seis

descanso dois ou um

assim aprendemos 

tolerância de quinze

almoço de quarenta e cinco

assim prosseguimos

mas há aquele momento e sempre haverá

quando o vento das circustâncias toca de leve 

um sonho um não dito um sequer imaginado

e já não importará a que horas o dia nasce

ou como se põem as tardes

ou mesmo o que significa a noite

aquele momento

em que o vento das circunstâncias

- vendaval ou brisa que sei eu?

bagunça o tempo

altera o que sentimos

(na aflição, as horas não correm

no amor, desembestam)

e já nada mais importa

cedo ou tarde mais dia menos dia

só o tempo dirá



05/02/2025

Contíguo

- convém que tenhas um

coração de sisal:

atadas todas as tramas

fibra força forma firme faça

bom proveito


mas o meu coração de poeta

projeta-me em tal solidão 

que o material com que foi feito

não poderia ser outro 

além de evanescente sonho


coração bobo, coração bola

contíguo ao pulmões

esses sim feitos de rocha limo ar citadino-poluído

polidos pulmões que não gritam à revelia

e revelam o estado de profunda respiração

- calma.


se estiveres em busca de um coração 

compre-o em casas de construção

reforce-o cimente-o pá de cal isolante térmico

todo cuidado é pouco!


eu, por minha vez, 

fiz das tripas coração: 

e prossigo a procissão 

de ser eu de vez.