terça-feira

Como amar-amor X

Às vezes, amor, penso 

Com o que te pareces

E te chamo de 

chuva em fim de tarde 

domingo de preguiça

passeio no parque


Te chamo begônia maculata

verde sálvia 

terra arada

primavera nos dentes









Como amar-amor IX

Amo como poema

E como receita

Amo como sentir 

Nas mãos o caldo

Para o ajuste do sal

E amo como 

Palavras temperadas 

De metáforas

Escorrendo pelas mãos

Como amar-amor VIII

Amo como se dizer que te amo

Fosse meu vernáculo

Como se a palavra amor

Fosse texto e imagem

Sentido e sensação.


Mas amo também fora

Da gramática:

Anseio um poema que te diga

Com todas as cinquenta e quatro figuras de linguagem

Que te amo

Como amar-amor VII

Amar como se inventar uma língua

Fosse sobreviver

Ao tempo

Como se todo léxico nomeasse

Nada além de amor

Como amar-amor VI

Quando, depois de um dia cheio,

O cinza-azulado começa a preencher

O quarto em que confessamos o amor

Na cama em que nos encaixamos

-Um quebra-cabeça de peças antes sonhadas-

É que tua pele me sussurra sentimentos

E a minha boca e a tua já 

Nada mais tem a dizer.


sábado

Como amar-amor V


Eluir um poema

Até que se distingua

Palavra de ação.


Diluir um verso

Para que sobre dele

Apenas o que não

Pode ser dito.


Observar em lamínulas

As amostras microscópicas

De onde se origina todo o amor

As células: vida se constituindo

Os sentimentos se aglomerando.


Amar, como se neurotransmissores

Reações químicas

E todo o corpo

E toda a matéria

Fosse senão sonho

Fosse tão somente amor.

Como amar-amor IV

 

Há muito o que fazer em casa:

Louças e roupas a lavar;

Além de varrer; tinir, transpor.


Na firma, trabalho é o que sobra:

A escrita, a escuta,

Docs pdfs txts xls


Na academia, os exercícios; no mercado,

lista de compras; na sorveteria: chocolate ou baunilha?


Mas eu

Incólume

Penso no amor,

Escrevo um poema.

Como amar-amor III

 

Jurei de pé junto:

"Amor? Só na próxima encarnação!"

Bradei aos quatro ventos:

"Amor? Pois eu quero é paz!"

Escrevi um tratado:

"Amor? Conta outra!"


Tsc. Psicologia reversa.

Era em tempo: falar no amor três vezes ele aparece...


E não tem capacete que proteja

e não tem santo que livre:

Amor escapa escorre espoca escreve

Anota!

Como amar-amor II

 

amar como um cão

que, ignorando a ausência

da cauda partida,

a abana insistentemente.


amar como uma ave

que traça no céu não uma rota

mas o absurdo

do imprevisível ar.


amar como um peixe abissal

que, desconhecendo a luz,

a inventa em seu próprio corpo

ferramenta perene da fome.


amar como pedra rocha bruta mineral raro

(que sabemos nós?)

como sedimento das eras

matéria prima de universo

ligação química

- serotonina; poema.

Como amar-amor I

 

amo como quem

numa corrida de cavalos

dispara por último

por puro prazer de lentamente

percorrer a pista

sem intenção nenhuma de chegar.


amo como quem vive da espera

a hora de escrever um verso

soltar a voz

respirar

e depois da pausa: tudo de novo.


amo como se não soubesse amar

como quando era criança

e na escola me ensinaram as letras

que eu já tinha aprendido em casa.


amo como se o amor fosse natural

um dia, ainda menino,

cuidei de um pardal até que voltasse a voar

quando chegou a hora

amei como se fosse asa

amei como se fosse espaço.

Aviso de Amor


afixado na parede carcomida

de uma birosca em bairro decadente

se escrevia a seguinte frase:

amar com urgência, mas sem pressa


e eu, que corro afobado tentando chegar logo

que tropeço nas palavras (para quê tantas sílabas?)

que só leio haicais

me demorei lendo o que se dizia.


amar com urgência

como se houvera um dilúvio

e tivéssemos que escolher entre declarar o amor

ou nos afogarmos.

como se, em espaço sideral,

o astronauta suicida revelasse sua paixão

antes de tirar seu capacete.


mas sem pressa, que amor é pra ser arado

só ama quem crê no fruto da árvore inda não plantada

sem pressa, como amam as mães os filhos no ventre

como aguardo que repouses tua mão no meu sonho.