Às vezes, amor, penso
Com o que te pareces
E te chamo deÀs vezes, amor, penso
Com o que te pareces
E te chamo deAmo como poema
E como receita
Amo como sentir
Nas mãos o caldo
Para o ajuste do sal
E amo como
Palavras temperadas
De metáforas
Escorrendo pelas mãos
Amo como se dizer que te amo
Fosse meu vernáculo
Como se a palavra amor
Fosse texto e imagem
Sentido e sensação.
Mas amo também fora
Da gramática:
Anseio um poema que te diga
Com todas as cinquenta e quatro figuras de linguagem
Que te amo
Amar como se inventar uma língua
Fosse sobreviver
Ao tempo
Como se todo léxico nomeasse
Nada além de amor
Quando, depois de um dia cheio,
O cinza-azulado começa a preencher
O quarto em que confessamos o amor
Na cama em que nos encaixamos
-Um quebra-cabeça de peças antes sonhadas-
É que tua pele me sussurra sentimentos
E a minha boca e a tua já
Nada mais tem a dizer.
Eluir um poema
Até que se distingua
Palavra de ação.
Diluir um verso
Para que sobre dele
Apenas o que não
Pode ser dito.
Observar em lamínulas
As amostras microscópicas
De onde se origina todo o amor
As células: vida se constituindo
Os sentimentos se aglomerando.
Amar, como se neurotransmissores
Reações químicas
E todo o corpo
E toda a matéria
Fosse senão sonho
Fosse tão somente amor.
Há muito o que fazer em casa:
Louças e roupas a lavar;
Além de varrer; tinir, transpor.
Na firma, trabalho é o que sobra:
A escrita, a escuta,
Docs pdfs txts xls
Na academia, os exercícios; no mercado,
lista de compras; na sorveteria: chocolate ou baunilha?
Mas eu
Incólume
Penso no amor,
Escrevo um poema.
Jurei de pé junto:
"Amor? Só na próxima encarnação!"
Bradei aos quatro ventos:
"Amor? Pois eu quero é paz!"
Escrevi um tratado:
"Amor? Conta outra!"
Tsc. Psicologia reversa.
Era em tempo: falar no amor três vezes ele aparece...
E não tem capacete que proteja
e não tem santo que livre:
Amor escapa escorre espoca escreve
Anota!
amar como um cão
que, ignorando a ausência
da cauda partida,
a abana insistentemente.
amar como uma ave
que traça no céu não uma rota
mas o absurdo
do imprevisível ar.
amar como um peixe abissal
que, desconhecendo a luz,
a inventa em seu próprio corpo
ferramenta perene da fome.
amar como pedra rocha bruta mineral raro
(que sabemos nós?)
como sedimento das eras
matéria prima de universo
ligação química
- serotonina; poema.
amo como quem
numa corrida de cavalos
dispara por último
por puro prazer de lentamente
percorrer a pista
sem intenção nenhuma de chegar.
amo como quem vive da espera
a hora de escrever um verso
soltar a voz
respirar
e depois da pausa: tudo de novo.
amo como se não soubesse amar
como quando era criança
e na escola me ensinaram as letras
que eu já tinha aprendido em casa.
amo como se o amor fosse natural
um dia, ainda menino,
cuidei de um pardal até que voltasse a voar
quando chegou a hora
amei como se fosse asa
amei como se fosse espaço.
afixado na parede carcomida
de uma birosca em bairro decadente
se escrevia a seguinte frase:
amar com urgência, mas sem pressa
e eu, que corro afobado tentando chegar logo
que tropeço nas palavras (para quê tantas sílabas?)
que só leio haicais
me demorei lendo o que se dizia.
amar com urgência
como se houvera um dilúvio
e tivéssemos que escolher entre declarar o amor
ou nos afogarmos.
como se, em espaço sideral,
o astronauta suicida revelasse sua paixão
antes de tirar seu capacete.
mas sem pressa, que amor é pra ser arado
só ama quem crê no fruto da árvore inda não plantada
sem pressa, como amam as mães os filhos no ventre
como aguardo que repouses tua mão no meu sonho.