05/12/2015

Sonho

Uma luz tênue decora a parede
no escuro quarto há apenas
as linhas refletidas da janela
um móvel antigo em que guardo meus pertences
teu corpo e o meu.
Dormimos o sono dos vencidos
e existe em nós a possibilidade de renovação
uns sonhos compartilhados
além de tua respiração, franca como teus olhos
e os meus, guardando teu corpo.
Embora haja noite, temos o dia pela frente
- esse mesmo que surge pela janela riscada pelas grades:
 Um sol rompendo nossos trópicos.
Há em ti, naquilo que não dizes, a mesma beleza 
De um céu que não se anuncia
E ficamos os dois, afinal, nesse lastro
                                                               [de tempo, espaço e amor
Que se nos invade de mansinho, pé ante pé.

16/11/2015

Pequena Ode

Há a verde grama em que pasta a noite
Há os arbustos precedidos pelo orvalho
Há o frescor do tempo
A brisa suave dos teus modos
- Pastoreio teus cabelos
E se perdem meus olhos em tua paisagem
O enlevo das mãos, a delicadeza dos gestos:
Te adornam, singelas, minhas palavras incensadas
E em tua voz de musselina encontro a paz

05/11/2015

Azul

adormeço em teu sonho azul
como um mar que me traga
uma onda que quebra em minha areia
dispersa em diâmetros de minha poesia
superfície em que mergulho
a procura do que me sustenta e equilibra
feito um pássaro em voo tácito
atrás de um repouso cálido de horas
descanso em teu halo 
azul como a certeza de um gesto calmo:
mira-me e acerta
(e teus olhos iluminando minha escura noite
e teus olhos - os meus onde estão? -
morando em meus versos:
casa para te adornar)
desperto em teu cotidiano
azul como as tardes depostas pelo
horizonte das vontades

lá, onde não se anunciam as coisas que já sentimos.

31/10/2015

Em meu poema

dou voz no meu poema
à pele que sussurra teu toque
aos ossos que sustentam meu corpo
em seu lugar de fala
aos pelos eriçados
que espreitam o desejo
em meu poema há teu verbo
e antes o que calas
há teu passo célere
os meus te acompanhando
e para onde vamos
pergunto em meu poema
mas não, não respondas
apenas habite em meus versos
na métrica que não tenho
no papel tantas vezes rabiscado
(em que surgem tuas consoantes
teu nome se formando como um rio
caudaloso & claro)
surja nas entrelinhas
- espaço interdito em que
te beijo
e te abasteças do que não te digo;
escrevo.

29/10/2015

Impressionista

em teu quente colo repouso
confundem-se em minha boca
palavras que não criei
para denominar-te, mulher:
és por si só a força de mil sonhos
e todos eles me segredam teu nome
marulham meus dedos
formando versos,
um poema que te espreita:

nele caberá teu corpo
ilha em que me perco e me construo
(teu corpo: matéria singela
derivando no espaço de minha memória)
e também aquilo que de ti exala
tua voz recendendo
sons que me acalantam
tua parcimônia e teu desejo

o amor, em sua fronteira movediça
nos sugere uma bandeira
que flamula
como o tempo de um encontro
e o toque da saudade.


09/09/2015

Nocturno n. 6

o ladrar dos cães fere a noite
há um mormaço inerte que adormece
sobre todos, sobretudo na cidade
cujas vias públicas mal iluminadas
referendam o triste tempo em que vivemos:
ecoa minha voz pelos vãos das esquinas
- um sonho em que grito nomes proibidos
e teu corpo ali na sombra quente
suado & sacro
feito um arquipélago preservado
em meio à deriva de existências

enquanto durmo
recito poemas em línguas mortas
sou um sonâmbulo semeando
versos que ouvi e decorei
sobre o que eras escuras eras em que
estive distante
cosendo tua lembrança
singrando perdido
pelas tontas vias do
que não vi


16/08/2015

Retrato da Casa Adormecida

brincam as crianças na varanda
a luz e o canto
riso farto na noite
os mais velhos se reúnem
à mesa há conversa a comida
celebrando o tempo
a possibilidade de ser gente
e estar vivo
bebe-se generosos goles
a cerveja nossa de cada dia
as latas garrafas amontoadas
e o fim de festa
recolhem-se para seus cômodos
os mais velhos
os animais fora de casa
os jovens pela sala
dormem todos num sono tranquilo
dorme a casa
acolhida no escuro
nas sombras do sereno
como tantas outras
em tantos lugares
pois é madrugada
pairam sonhos 
eclode lentamente o silêncio

- só eu não repouso em meu poema

19/07/2015

Ausência

na tua ausência
criei o mundo
das sombras que eram tuas
fiz luz - à te procurar
rasguei estradas
e nas fissuras encobertas pelo solo
tu não habitavas
deixei crescer os matos
fundei raízes para que permanecesses
mas partias
levando contigo o espaço das horas
inventei chão
para checar tuas pegadas
elaborei água
para te banhares quando cansada
mas tu não deste as caras
e entediado inventei as gentes
procurava rostos que se parecessem com o seu
que me lembrassem teu sorriso desconhecido
um olhar não descoberto
em vão:
na tua falta
esqueci o mundo

30/06/2015

Depois

depois, o cigarro.

cinzas sobre nosso segredo,
você disposta sobre o lençol
[escuro
como uma presa que eu acabei
de devorar.

depois, o sono.

dormias nua sobre teu cansaço
vencida pela mecânica do sexo:
tantas maneiras e o vício e a fumaça.

depois, partida.

mas antes que te aprumasses
(era sempre o mesmo gesto:
te levantavas e, preguiçosa,
repetias as desculpas de sempre.
Já não te pedia para partir, apenas
para que voltasses com tua forma
e teu colo)
te segurava pelo braço
-a rotina sugeria o esquerdo-
e te puxava para a cama
ainda descoberta
e mais uma vez
num exaspero de solidão
nos consumíamos
o corpo o cheiro o suor o gosto o toque
o sussurro o desejo o momento o líquido

e depois

você saindo por aquela porta
esquecendo outra quinquilharia
só pra dizer que "talvez vem buscar"

depois.

24/06/2015

Aquarela

teu batom marcando meu afeto
e teus olhos
à deriva em nosso encanto
onde cabem as confissões
do misterioso gosto
das palavras
que viram sonhos
e você, na minha noite
embaçada: luzes & vontades
são as cores que pintamos
uma aquarela de planos
misturadas nossas pernas
nosso sexo, nossas bocas
formando cores novas
e depois, ou mesmo antes,
a cerveja (escura ou clara?)
a conversa
o riso
fatal como nossos corpos:
sinuosos de prazer.

18/05/2015

waiting for a sun to shine

enquanto espero
faço o que sei:
desesperar
fumo todos os cigarros
batuco um samba na mesa
(a mesma que sugere o
espaço em que também não estou)
escrevo versos que não rasgo
- deleto
e me encontro sujeito de mim
declino de teus olhos
os que não me veem 
teu paço incólume
a saliva mecânica que aglutina tuas palavras
sentado sobre a noite que chega arrependida
menos que eu, claro
aguardo a fumaça se dissipar
e com ela os sinais do que fomos
e não lembrávamos

11/05/2015

Visita

O amor esteve prestes a entrar
Estava na calçada
Fumando plaza
E eu o via de soslaio pela janela da sala
Chegou a procurar as chaves
Tentou destrancar o portão
(E esse cadeado que mantenho sempre seguro)
Não havendo possibilidade o amor esperou
Por cinco minutos - não bateu: segurava um cigarro e um livro do Neruda
Depois vi o amor descer a rua
Começava a esfriar
Não sei se virou a esquina
Ou se alojou em algum boteco
Mas foi-se embora das minhas vistas
E perdi a chance de o cumprimentar

Sozinho em casa
Sentei-me no sofá
Aguardei a correspondência
E adormeci com a triste memória
De sua feição.

28/04/2015

Poema de chegada

quando chegares
carregando o amor
nas mãos em conchas
e depositares em minha boca
um beijo em segredo
e quando trouxeres teus cabelos
lavados ainda de véspera
e teu corpo - incenso e mirra
(despojos de um sonho)
peço que não te assustes com meu jeito de poeta:
o cigarro entre os dentes
hálito fresco de noites de poesia
o flanco aberto esperando o punhal

quando vieres
encontrarás meu barco
à deriva repousando
a calma das velas
a brisa do tempo
areia dispersa ao sabor do vento
se vasculhares bem
verás que tenho mil poemas a tua espera
mil línguas cantando teu nome
e te recebo
com o peito descalço e afeto no bolso

27/04/2015

A metafísica das coisas imperceptíveis

Haverá sempre mato nos jardins.
A terra flamula sua iconoclastia e
O rebento do solo prenhe de existência.

Haverá sempre o sonho, um aquífero
Repousando na desordem da cabeça,
Esperando para emergir.

Houve sempre o farto gole de vida

(na infância
quando manejava verdes soldados de plástico
quando estrategicamente os colocava no barro
minha cabeça casamata onde se escondiam planos
secretos de partida e solidão)

Por entre os arbustos
(que insistimos em arrancar
pois são corpos estrangeiros estragando nossa paisagem
tão bem organizada)
Nasce a noite o triste pulsar de estrelas
e também às vezes o amor que

Haverá sempre de romper a pele
E gritar sozinho, anunciando a senha
Dos que esperam e pelejam.

Havia em mim o beijo do destino.

(a descoberta da paixão inevitável
como as nuvens que pastam no céu
as glórias e incertezas teus olhos e
aquilo que não dissemos)

Haverá sempre o sopro
Embalando a rede das mudanças
E a gesta das pequenas coisas cotidianas

Há o gosto, a cambraia, o almíscar das tardes
Que não percebes; sentes.

20/04/2015

Antiquário

como sempre
eu chegando em casa
- você pelos cantos
antiquada
drama-queen
desmoronando nossas bocas
até que vem o sexo
(a língua que entendemos)
e aí
outra vez
vem a paz
a gente se suja de presença
gasta a saliva
coteja os olhos
e no espaldar da circunstância
repousamos
pra quê?

responde não

deixa nessa nossa
parede mal-pintada
o gosto de ser arte.

18/04/2015

Carta-poema

à memória de  Eduardo Galeano

Podia ver, da janela do apartamento, a cidade amanhecida:
eram as mesmas árvores outdoors prédios fachadas
antenas e cabos da energisa.

Na estante, poeira e livros.
Entre tantas incertezas, uns seus relatos que lia com tanto apreço.
Em mim nada mudou: compro pão logo cedo
trabalho dobrado e, à noite, vez em quando tomo um
whisky.


Quando você partiu, numa segunda-feira um pouco estranha
nessa cidade que você não conhecia
imaginei - tonto de mim!
que havia morrido também um pouco da esperança.

Você não viu, Galeano,
o mundo embarazado  parir a justiça.
(São tempos difíceis esses em que vivemos 
e não há vela acesa que não apague com os ventos 
da discórdia.)

Passarei, talvez, sem ter visto também:

Não há lógica no acaso de estarmos indo rumo ao 
não-sei-onde.

Só que seguimos, vamos indo, uns ficam pelo caminho,
outros vão até onde podem
e continuamos
vivos enquanto podemos
gritando até quando nos calam.



14/04/2015

Poema amanhado

uma tarde de sol
disco do silva
filme de drama:
o amor acontece onde se deixa.

nas migalhas espalhadas pela mesa
e entre os pombos nos alpendres
na camisa cansada em fim de expediente
e no batom já desbotado pelas circunstâncias:
há amor quando se pode amar.

ligações não atendidas
notícias tristes de jornal
respostas entrecortadas
suco de abacaxi:
pode o amor resistir quando quer.

nos copos de cerveja
e no cigarro compartilhado
talvez no espaldar em que
as costas descansam
no beijo certamente
(e no riso de canto de boca?):
o amor se desdobra em condições:

senta ereto, pernas cruzadas,
uns olhinhos gentis
o amor espera
com seus cacarecos
lustrados de vontade
o amor chega


10/04/2015

Elegia

para o teu corpo ausência
(-plaga distante,
minha canaã)
levo meu pensamento
e no emaranhado
dos teus cabelos
(-onde há o enleio dos dedos,
o passeio nas horas,
doçura no tempo?)
encontro o desejo

de longe
(- beijo anunciado aos ventos)
do lugar em que te imagino
sinto tua carne, a vibração
e tua face com gosto de lonjura

(-pudesse eu romper a terra!
atravessá-la, como fazem estradas
e, como um rio que se desloca sinuoso
farejar teus passos a ponto de vê-la,
mulher, esperando meu carinho!)

penso, enfim:
haverá o dia, claro como manhã de outono,
em que terei teu peito próximo
pulsando o quente sangue da paixão.

04/04/2015

Poema amargurado

Às vezes sou triste
Como o acorde Em7
E ando por aí
Tropeçando em mim mesmo
Atravessando vias recapeadas
Até que chega a noite
E com ela suas tramas
Que me envolvem e me furtam
De um claro desejo novo
Das coisas que há em mim

Às vezes sou triste
E assovio Rômulo Fróes
Desvio de poças d'água
E também desses pensamentos
Que querem me atropelar
Como se atropela um plano
Um toque um verso esquecido
Me equilibro buscando
Os pés no chão
As mãos nos bolsos
Caminhando entre vielas
De mim mesmo

Eu sou meu país
Meu rei e carrasco
E legislo:

Faço as leis

e sinto apenas.





03/04/2015

Roma Minha

Você, minha Roma,
por onde passeio
tuas praças, colunas,
jônicos seios,
teu panteão
que abriga tua
deidade, desejo e potência,
e essa tua cabeça,
teu coliseu,
em que degladiam os sentimentos,
caminho, déspota e amante,
no louco império
do teu corpo
e encontro, madona,
teus arquedutos, tuas vias
e me perco:

Sou o que sou:

Um Nero a te incendiar.

01/03/2015

Imagem

Nos bandós do meu peito
e nos seixos da saudade
encontra-se você

Na carne mordida
pelos dentes do tempo
e no abraço de beleza
que o teu modo exala
encontra-se teu corpo

No espaço em que não estamos
- nossa vontade, a matéria do nosso desejo
você surge
sorriso largo
olhar manso
com teus rococós,
é apenas ilusão

Fora de mim eu não te tenho

Da tua voz, o que conheço é o inaudível
que me chama
e respondo
e vou

Perto de você me perco.

16/02/2015

Sonho de um delírio

eu sou onde me caibo:
no espaço anunciado de agora
&
nas umbrosas possibilidades do tempo

estou no que posso ser:
uns braços flácidos
nome rg
indicando que existo
como tantos outros

aconteço no mundo
carrego meus fardos
dolorosos que nem a
morte dos sonhos de infância
e continuo firme e forte
são e salvo

convivo com o que me falta
(a areia dos dias
desliza pelos meus dedos)
e participo dessa fantástica
experiência que é estar vivo

nos diâmetros das minhas palavras
há a tristeza contemplativa
das coisas que se perderam

e fico
firme e forte
são e salvo.



14/02/2015

Caracol

como casa
abrigo-me em ti:
estatura mediana
olhos de noite
e teus cabelos
caracol
em teus cantos

no teu plexo
(convém abri-lo)
eu me perco
-não vou me encontrar
e deslizo
menino

como casa:
trago-te para onde estou
trago-te inteira
num gole só
eu me deixo
eu me seguro

- estrangeiro

faço caso.
te faças moradia
que eu chego
deixa eu ser,
caracol

e bora.

01/02/2015

Canto em teu corpo

insiro-te na noite
no enlevo de sombras
que te anunciam
mas não és velada:
protejo-te
como um caibro
sustentando nossas permanências
e nossa matéria com gosto de tempo

(a delicada voz que de ti emana
e emancipa meu amor)

dispo-me logo que chega o dia
para que me vejas
teu, corpo ígneo
flamejando à tua espera
para que me sejas
canto
e paixão

(e onde há tua sílaba, monódico meu peito
te conclui)

20/01/2015

Gesto para um poema

Afinal, ficamos assim
Não dissemos palavra
E não coube um nome
Embora tuas unhas vermelhas 
                                    [desposassem minha pele
                                    [e a noite aparecesse 
(com ela tua partida).

Permanecemos, gente
Com nossas incertezas
Haveria título para o desconcerto das horas?

Éramos contratempo
E também em teus versos
 - Aqueles que não cantavas, sonhavas
Nos dissipamos no espaço de memórias:

Sobre a escrivaninha, no armário confuso

No teu afago de amanhã.

Quando vinhas
(Tua boca repleta de outras noites)
Trazias nas mãos tua oferta espontânea:
O gesto que adorna e embala
Estrelas que contei.




18/01/2015

Sujeito

eu, sujeito,
parte integrante da oração,
conjugo a vida,
dou graças ao verbo
que exala da língua
e cria o
amor, substantivo,
no ato de ser o mundo

11/01/2015

Passeio

O trinado das maracanãs na morna tarde
Nuvens tontas esgarçando o céu
Carros brancocinzapretos e as conjuras da pressa
Oitizeiros embaúbas
Poeira & tapume; concreto & lama:

- tudo habita na tua ausência.

Quando vens, no entanto,
Com teu cheiro de manjericão
E tuas mãos apascentando meus cabelos

Quando estás
(quieta, repousam em ti meus sonhos)
E te permites o amor de véspera

O que faz moradia são palavras
Para teu remanso breve
Como um passeio em tua carne

10/01/2015

Crônica

pariu
mas não cuidou
quem criava era
a Demildes da 22
quando pequeno
mal dava trabalho
criado à leite quente
e comida boa
já grandinho
aí esse desandou!
ia pra todo canto
e não tinha cristo
pra fazer parar
em casa
era só pra dormir
- e dormia, até demais, olha...
cresceu e vivia atrás de umas
não sossegava o facho
brigava e tudo, pense?
até que deu uma sumida
e Demildes veio chorando
contar que tinha sido envenenado
pelo Seu Márcio do 35

bicho bom era aquele,
bicho praga é o homem.

07/01/2015

Cotidiano

ecoa até mim
vindo através do vento
o chilrear de pássaros
distintos no calor do dia
e atarantadas buzinas
sirenes

- estou só e resisto, de mim ninguém me tira

trago na memória teu corpo
saveiro no mar
salgado como a cocaína
e as nossas ressacas
scotch palavras delírio

- tantos nós na gente tanto em nós

mas isso não importa:
estou sozinho no quarto
estou sozinho na América 
etc.
e você já foi tarde
me deixando um beijo
com gosto esquecido de tempo

-tudo dorme, à exceção da Ana C. que
me espia da estante.

06/01/2015

Véspera

limpo a casa, lavo a louça, acarinho o gato.
preparo a janta, faço um café, assovio.
sento-me no sofá, acendo um cigarro, fumo.
tomo uma cerveja, arranho o violão, canto.

reflito sobre
as variáveis implicações
do destino:
há sol, há vida, há gente,
outdoors iluminados, buzinas,
prédios altíssimos,
casais que se amam,
crianças chorando
e cães que latem
e mães que sofrem a falta do filho.

ando só
desvio os olhos ao passar pelas pessoas
finjo falar ao telefone quando há conhecidos perto de mim
não ando de bicicleta
quase morri afogado
bebo em demasia

à noite, quando me deito,
reviro-me na cama e raramente durmo.

mas há em mim o desejo de viver
e com ele guardado na carteira
vou caminhando ao desconhecido
rumor das horas que se anunciam
no horizonte das nossas paixões.

05/01/2015

Confins

Estamos sempre indo
Para onde quer que seja
Como vão os bois no pasto
- A infância, memória que não houve:
muge o dia lento, tempo galvanizado
erigido o céu e
                           [um bando de nuvens que passam ligeiras;
ao longe o voo das rapinas acomodando a vida -
Como vão os cabos de energia
Sempre para algum lugar distante
Vamos nós, vão-se os outros
Vai uma ideia, atravessando nossos confins
Migratória em plano tácito
(O que permanece, deriva:
Ficam as rochas encostas velhas árvores)
- Tudo o que há, e que podemos ser
No mundo de circunstância breve
E espírito torto.

04/01/2015

Poema Inconcluso

Da janela em que me encontro
-Gradeada
Atravessado por uma luz cava
Vejo o que o espaço me permite ver:
Dorme, nas varandas dos altos prédios
e também nas torres de comunicação
(em aviões noturnos que se despedem talvez)
O teu nome que não cabe em minha boca.

Ao redor
(É noite, cambaleia a luz
os sonhos e estrelas cambaleiam)
Tenho um pressentimento de véspera
Percebo o mundo com seus estratagemas
Sorrio ao acaso que me abandona
E encerro as pálpebras de ferro e vidro
Estou só
Mas há em mim
o silêncio do que vive.

Agora vim pra cá.

Migrei de lá: