23/05/2019

Árvore

inscrevo na palavra árvore
o teu nome e o meu.
raízes de poemas
se aprofundam em mim:
bebem de ti o que não
está na superfície.
colhemos um fruto
de véspera
com gosto indefinido
debaixo de frondosa sombra
nos sentamos:
meus versos ramificados
tuas folhas inda novas.
daqui cem anos, mulher,
quando não mais houver
você ou eu,
uma flor branca brotará
na minha poesia:
quem a vir não saberá
da terra que revolvemos
da semente conjugada
da rega feita de sonhos e distância
do signo que cresceu sem podas
- do teu nome e o meu.

21/05/2019

Dorme

Os prédios e as torres de comunicação não dormem nunca, sempre imóveis, em pé, vigiando os céus e o que por baixo deles passa.

Dormem as gentes em distintas horas. Eu não, porque me ocupo em pensar na poesia que eu não poderia escrever.

Dormem a ira e a indiferença, dorme o riso, e a dor também há de dormir.
Dormirá o amor?

Fecho os olhos: não há sono. Você deve dormir, e eu devo cuidar do que nos foge às palavras.

O que tenho guardado em mim: dorme.
Aquilo que não sabemos: dorme.
Dorme o que é morte e o que é vida.

E o poema boceja.

13/05/2019

canção

pela testa
olhos
gosto na língua:
o sal
do suor
do pranto
do amor

pelas mãos
plexo
órgãos internos:
a força
dos gestos
das marcas
da vida

no pensamento
desejos
cinco sentidos:
o que coube
de ti
de ti
de ti

Ave

ave!, homem:
pássaro imóvel
observando a paisagem
esperando o que lhe cabe
voará?
- de certo que não...
asa de poeta é palavra
pluma de cores indecifráveis
tegumento ríspido
a espera do toque acidental
das circunstâncias.