12/09/2021

poeminha

Parece que a gente
Se dana 
Com o passar dos (d)anos


Mas não é isso:
A gente nada (ou tudo)
A gente anda (se equilibra)
E se vira como dá

Parece que a gente
Se (m)anda
And keep going




26/07/2021

Teu Nome

Eu, às vezes, esqueço teu nome

E é como se não te amasse: 

E aí quando surges

- tua pele rabiscada com sentimentos 

que inscrevo em ti - 

Parece sempre o amor que procurei. 


Eu, às vezes, como quem não quer nada,

Te quero toda: 

Decoro seu nome até que ele 

Sobreviva em mim 

Mesmo que eu esqueça do meu...


Professo teu nome e sei bem o gosto

Das palavras: minha oração diária.


Às vezes, completo teus gestos como

A um jogo de palavras cruzadas:

Pressuponho teu sorriso, adivinho as

Mãos apoiando a cabeça cansada

Antecipo teu olhar curioso...


Mas, principalmente, contemplo teu nome

Mais vogais que consoantes

se contrapondo ao meu,

Teu nome de mulher

Reverberando em minha boca

Sempre que chamo por ti: 


E vens. 

04/07/2021

Verde

                                         variações sobre Lorca

É para verdes que a quero verde

Em seu vestido de ramagens e sonhos.

Vejas, o amor de vez, fruto que se colhe aos poucos

Verdes ventos, verdes plantas...

Vejas que te quero ver 

De novo e de perto

Ver amadurecer nosso afeto

Em tardes inda não vistas


Verdade que te quero verde

Como a esperança, minha bandeira:

Verdes ventam nossos planos

Verdes vamos caminhando assim...

Verde,  e eu quero ver-te

Vestida assim:

De mim

03/07/2021

Mapa

Percorro as linhas de tuas mãos
O traçado do teu rosto 
E sei:
Te vejo no agora dos meus passos
No instante em que minhas palavras tomam forma
E, tontas, alcançam seus ouvidos

Desbravas com tuas saídas e bandeiras
Meus interiores, lá onde guardo
O que não tem nome, mas forma 

Haverá tempo para colher teus modos
No caminho que inventei para nós
A estrada é longa e a vida é curta...



E seguimos:
Tua pele, meu mapa
E eu leio teus sinais
E eu pergunto
Para onde vamos agora?
Ao que me respondes:

Para além...

24/06/2021

Fragmento I

Eu gosto é

De comida amanhecida 

Que guarda um sabor de sol. 

23/06/2021

Casamato

Cresci em uma casa
Cujo quintal não dava muitas plantas
A não ser mato
Que crescia
Engruvinhado e muito verde
Em uma terra argilenta

Por mais que o arrancássemos
- e eu era só um menino -
Ele tornava a brotar
Mais forte e decidido
Verde e muito engruvinhado

Aprendi então
Que meu destino era o labor
De deixar que vença
Tudo o que não posso reter:

Minha poesia, ainda verdolenga
E meu afeto, um tanto embaraçado


22/06/2021

Costura

 Atravesso a city para te ver:

Sou algum homem entre tantos homens

Mas carrego um afeto menino

Descobrindo de novo o nome das cores


Cindindo ruas, procuro coser meu coração:


É tua linha tons-de-dia que eu encontro...


E meu coração alinhavado se conserta em nós

21/06/2021

Manada

 Uma manada

De quinze elefantes

Cruza

Rios, pontes e overdrives

Em direção à desconhecida

Canaã de sua espécie. 


Cientistas não conseguem

Entender as motivações dos animais: 


São humanos demais e carregam um sonho

Pendurado nas orelhas. 

20/06/2021

Enquanto dormes

Enquanto dormes

O tempo continua a seguir:

Sobre teus ombros cansados

As constelações distraídas se movem 

Sob teus pés, flores: quem sabe plantadas por ti...

Teus olhos fechados sonham talvez

Um gesto não expresso: 

E há o mundo, a pele, a dor e a revelia

Das coisas todas que não lhe cabem nas mãos:

Tudo desperta e é e sente...

Repousas: Natural que seja:

Guardada por tudo o que te abriga

(tudo o que tens e és e sentes!)

Enquanto gira o mundo e a ordem das coisas

E as supernovas explodem anunciando 

Qualquer possibilidade de vida

Descansa teu corpo, um sono tranquilo:

Dormem também tuas palavras e tudo o que não me dizes...

E eu te vejo e te velo e te sei:

Dormes como um botão de petúnia

E eu te desperto em pétala

Em cores, em luz. 

haikai noturno

Nomeio as estrelas

No escuro dos olhos do meu amor: 

e é o signo a nossa potência. 

06/06/2021

Novíssimo Hino Nacional

Aguarda para ser identificado

Na sala de autópsia

Coberto por um pano de cor indefinida

O Brasil

Caberá a artistas fazer o reconhecimento

Desse corpo: 

Suas matas e rios

Seus bichos e céus

Mas também sua gente

Que lhe habita os intestinos e pulmões.


Depois de analisado

"É mesmo o Brasil quem morreu"

Deveremos enterrá-lo

Sem coroa de flores, homenagem ou cafezinho

Em vala comum, vala de brasileiro

Jogando sobre ele as terras todas

Quanto forem necessárias

Improdutivas e não-demarcadas

E deixá-lo ali descansando 

Sem jazigo que o represente.


Creremos, nós artistas, que dali

Brotará quem sabe num futuro longíquo

Uma árvore que frutifique

Raízes alimentadas da ideia de Brasil

E dê de comer aos pássaros 

Os novos habitantes desse lugar.


Depois de o Brasil morto e enterrado

Seguiremos com a lembrança do que

Poderia ter sido

E que nunca será: 

Rememoriaremos o Brasil boa-praça

Jeito menino sempre sonhando alto

E pronto a ajudar quem lhe necessitasse.


Quem sabe no futuro 

Não teremos um novo Brasil? 

Um filho bastardo

Vivendo escondido nos rincões por aí

Disposto a ser ele mesmo:


Um outro Brasil.

05/06/2021

Nocturno n. 8

Em horas como essas

Quando a noite desvela seus mistérios

E o canto dos pássaros é agouro puro

É que cicio meus poemas 

(Os versos que escrevi colhendo palavras frescas

As rimas que inventei catando cacos de sílabas)

E com as contas que carrego junto ao punho

recito outros poetas, os sórdidos e os 

consagrados

Todas as palavras que aprendi 

lendo mulheres e homens, poetas: como eu;

Vivos ou mortos: como eu;

Gente, sobretudo: como eu ou você.


São em horas como essas

Quando a luz precária dos postes 

adornados de panfletos 

Não ilumina o acaso o que há-de-vir

o que-será? 

Que eu mastigo um verso esperançoso

Do qual me lembro apenas das palavras

- é tarde demais para as metáforas!

Que eu: punhos cerrados dentro do 

bolso da calça

Enfrento o tempo o medo a cidade

- Um poema como patuá -

Carrego meu sonho de menino

A fé no futuro, no peito um coração

E você, como eu.

04/05/2021

Elegia

 Algum dia

Quando cansar da lida diária

Sentarei sob aquele cajueiro

Onde inscrevi teu nome 

e o meu à faca

E também onde esqueço teu cheiro

Enquanto macero as folhas grandes e verdes

Aroma agridoce como tua partida  

à faca, cindindo todas as palavras não ditas


Embaixo daquele cajueiro

Onde um dia ouvi teus olhos 

Murmurando em lágrimas uma canção 

Que eu jamais decifraria: 

Teu coração tamborilava,

e o meu, à faca,

Era descosturado. 

29/04/2021

Onírico

Sempre quando me deito
Ao relento 
No espaço até onde posso ver
Nunca fecho os olhos
Com medo de que as estrelas caiam sobre mim.

Já em casa, em minha cama de gente comum,
Adormeço profundamente
Sonhando com as mesmas estrelas
Intangíveis como um sonho de infância
Porque sei que estou guardado
Por aquilo que não vejo.

Tal qual estrelas desmoronando sobre meu                                                                          [corpo solitário
São as palavras nas quais não devo confiar
Posto que surgem vez ou outra
E me impelem a escrever e a ler poetas tristes
Num desassossego semântico-lexical
E eu me torno um poeta de intervalos:
Entre um verso e outro, tudo aquilo 
Que não sei dizer.



 


22/03/2021

Quadro

Em meio à grave crise sanitária

Um poeta do interior do Brasil

Ousa abrir a janela de seu quarto

- depois de acordar de sonhos intranquilos-,

Olhar para o horizonte, 

E suspirar, se perguntando:

- depois de tudo isso ainda haverá poesia? 


Mas em meio a tantos mortos, uma política

                                                      [genocida e um gosto amargo 

de desesperança na boca,

Colher na manhã as primeiras palavras

Será um gesto talvez sem sentido:


E o poeta sente.






22/01/2021

Parto

Silêncio!

Uma mulher pariu: 

De teu negro ventre - estuário do mundo - 

Surge a criança que inventa o tempo. 


Uma mulher deu a luz 

À ideia de vida

E teu corpo placentário

Comunica à terra 

Pensamentos de renovação. 


Silenciai mares & encostas

Bichos e tudo o que vive:

Uma mulher pariu 

As cores que compõem o amor

E sua face escura

Revela o brilho 

Do sol que ainda não nasceu. 


Uma mulher pariu

No silêncio da arte 

Na transformação da cultura

No horror das guerras

Sobre o chão coberto de sangue.


Uma mulher prenhe de um coração

Que bate assim à força

Motor do corpo

Que sonha chora deseja grita

Semente que brota da terra-devastada:

Uma mulher, em silêncio, 

Pariu.


11/01/2021

Tabebuia

Teus pés cansados por andarem todas as 

Distâncias do teu mundo particular

Se estendem pela terra que agora te acolhe

Teu corpo, esguio, um espectro:

Tons & formas e no íntimo 

O pulsar o querer o resistir

E de tua copa  - adornada pelas condições

Sempre adversas

De um mundo confuso - 

Brotam amarelas flores

Viço do tempo

Que te trouxe com as cores

De um novo dia


Tabebuia tua pele teu riso

Tabebuia teu amor teus sonhos

Tabebuia, tu, mulher.