Eu gosto é
De comida amanhecida
Que guarda um sabor de sol.
Atravesso a city para te ver:
Sou algum homem entre tantos homens
Mas carrego um afeto menino
Descobrindo de novo o nome das cores
Cindindo ruas, procuro coser meu coração:
É tua linha tons-de-dia que eu encontro...
E meu coração alinhavado se conserta em nós
Uma manada
De quinze elefantes
Cruza
Rios, pontes e overdrives
Em direção à desconhecida
Canaã de sua espécie.
Cientistas não conseguem
Entender as motivações dos animais:
São humanos demais e carregam um sonho
Pendurado nas orelhas.
Enquanto dormes
O tempo continua a seguir:
Sobre teus ombros cansados
As constelações distraídas se movem
Sob teus pés, flores: quem sabe plantadas por ti...
Teus olhos fechados sonham talvez
Um gesto não expresso:
E há o mundo, a pele, a dor e a revelia
Das coisas todas que não lhe cabem nas mãos:
Tudo desperta e é e sente...
Repousas: Natural que seja:
Guardada por tudo o que te abriga
(tudo o que tens e és e sentes!)
Enquanto gira o mundo e a ordem das coisas
E as supernovas explodem anunciando
Qualquer possibilidade de vida
Descansa teu corpo, um sono tranquilo:
Dormem também tuas palavras e tudo o que não me dizes...
E eu te vejo e te velo e te sei:
Dormes como um botão de petúnia
E eu te desperto em pétala
Em cores, em luz.
Aguarda para ser identificado
Na sala de autópsia
Coberto por um pano de cor indefinida
O Brasil
Caberá a artistas fazer o reconhecimento
Desse corpo:
Suas matas e rios
Seus bichos e céus
Mas também sua gente
Que lhe habita os intestinos e pulmões.
Depois de analisado
"É mesmo o Brasil quem morreu"
Deveremos enterrá-lo
Sem coroa de flores, homenagem ou cafezinho
Em vala comum, vala de brasileiro
Jogando sobre ele as terras todas
Quanto forem necessárias
Improdutivas e não-demarcadas
E deixá-lo ali descansando
Sem jazigo que o represente.
Creremos, nós artistas, que dali
Brotará quem sabe num futuro longíquo
Uma árvore que frutifique
Raízes alimentadas da ideia de Brasil
E dê de comer aos pássaros
Os novos habitantes desse lugar.
Depois de o Brasil morto e enterrado
Seguiremos com a lembrança do que
Poderia ter sido
E que nunca será:
Rememoriaremos o Brasil boa-praça
Jeito menino sempre sonhando alto
E pronto a ajudar quem lhe necessitasse.
Quem sabe no futuro
Não teremos um novo Brasil?
Um filho bastardo
Vivendo escondido nos rincões por aí
Disposto a ser ele mesmo:
Um outro Brasil.
Em horas como essas
Quando a noite desvela seus mistérios
E o canto dos pássaros é agouro puro
É que cicio meus poemas
(Os versos que escrevi colhendo palavras frescas
As rimas que inventei catando cacos de sílabas)
E com as contas que carrego junto ao punho
recito outros poetas, os sórdidos e os
consagrados
Todas as palavras que aprendi
lendo mulheres e homens, poetas: como eu;
Vivos ou mortos: como eu;
Gente, sobretudo: como eu ou você.
São em horas como essas
Quando a luz precária dos postes
adornados de panfletos
Não ilumina o acaso o que há-de-vir
o que-será?
Que eu mastigo um verso esperançoso
Do qual me lembro apenas das palavras
- é tarde demais para as metáforas!
Que eu: punhos cerrados dentro do
bolso da calça
Enfrento o tempo o medo a cidade
- Um poema como patuá -
Carrego meu sonho de menino
A fé no futuro, no peito um coração
E você, como eu.